Bloqueios: o Desafio do Coach

Sempre nos perguntamos o que impede o cliente de promover a mudança tão desejada. Basta pensar no seguinte: quantos itens do nosso plano de final de ano, conseguimos cumprir? Felizmente para alguns, a maior parte, mas não para a grande maioria. O que pega? Se a gente quer, por que não muda? O que está faltando? Ou esperando? Que vontade é esta que está no verbal, mas não está no coração?

Por trás destas indagações, está a relação entre desejos, vontades e intenções, versus ações e mudanças planejadas. Qual o significado desta mudança? Onde está ancorado este desejo de mudança?

Antes de mais nada, é preciso entender o SER humano, em todas as suas dimensões anímicas. Rudolf Steiner nos revela que o ser humano tem três dimensões de alma: PENSAR, SENTIR e QUERER. Ter essas dimensões alinhadas e coerentes entre si, permitirá que o cliente atue e se coloque no mundo através de uma manifestação de completa consciência do seu Eu.

O Pensar é constituído pelos conceitos, julgamentos, interpretações e representações mentais que o cliente tem de si e do contexto. O Sentir engloba o mundo dos sentimentos, numa extensa grade de manifestações entre a simpatia e a antipatia. Já no Querer, o cliente sai de um nível mais instintivo da cobiça e desejo, para um nível mais profundo do motivo, da intenção e da resolução.

Nosso papel enquanto coaches é, em primeiro lugar, deixar de lado toda e quaisquer interpretações e julgamentos – é necessário até mesmo termos um claro entendimento sobre o que é meu e o que é do outro, para assumir em parceria a pesquisa das coerências e incoerências entre o discurso (pensar) e a prática (agir). Num primeiro instante pode parecer um contrato inicial de coaching, mas também é a espinha dorsal do trabalho para desvendar um cliente e seus impedimentos de mudanças – bloqueios.

Tirar o cliente de um bloqueio é o mesmo que tirá-lo de um nevoeiro, que embaça a sua visão, como se tirássemos véus que o impede de um avanço em níveis de consciência mais elevados. Muitas vezes, significa levá-lo da zona de conforto para uma área de tensão criativa, ampliando possibilidades – berço onde as mudanças poderão acontecer – através de escolhas feitas em liberdade.

O nosso foco é trabalhar para que o Ser humano se descubra e assuma o seu protagonismo em liberdade, pois somente um ser em sua totalidade e coerência poderá ser agente de si mesmo. E são os bloqueios que o limitam e o fazem ser repetitivos, incoerentes e se sabotarem para assumir o seu papel no mundo.
O primeiro passo é então reconhecer sua vulnerabilidade. Ao identificar quais crenças e valores estão bloqueando uma correta manifestação do seu SER, que sabotagens está se imputando, que mecanismos de defesa e projeções estão empatando a sua ação no mundo, o cliente é capaz de dar luz para que uma nova ação possa acontecer.
Rudolf Steiner diz que nós seres humanos desta era, estamos absolutamente acordados no PENSAR, em vigília no SENTIR e dormindo no QUERER.

Partindo desta premissa, podemos dizer que nosso pensar acordado ocupa a maior parte do nosso tempo. Quando perdemos o sono, é o Pensar que vem lépido e faceiro dialogar conosco a respeito de todos os conceitos e preocupações contidos em nossos arquivos e memórias. Nem sabemos se perdemos o sono por ele ou para ele, mas sabemos que o PENSAR traz informações do passado. Por isso dizemos que quem pensa muito vive no passado, com seus conteúdos preconcebidos.

Pensamos muito mais rápido do que a fala e a escrita. O que traz problemas de escuta e presença. Quando nosso interlocutor/cliente nos conta uma história sobre ele, desavisadamente nosso Pensar nos faz nos adiantar e trazer uma conclusão, à procura de uma solução, antes mesmo do interlocutor terminar sua fala. No entanto, quando eu lhe pergunto: “O que você está sentindo agora?”, ele pára e pensa para me explicar o seu sentimento; isso é um Pensar!

Normalmente temos pouca consciência do nosso Sentir, que habita o presente, o que nos torna pobres no repertório de identificação dos sentimentos. Mas, quando realmente acessamos o Sentir, o cliente fica apto para acordar o Querer, que geralmente é sonolento. Costumamos dizer que queremos isso ou aquilo, mas ainda estamos na esfera do Pensar, apenas denominando o que desejamos. Muitas vezes nosso Pensar domina o Querer e falamos do Querer sem os filtros das escolhas do Sentir.

Podemos dizer que o Querer é, de fato, o nível menos consciente a ser acessado. Freqüentemente o nosso Querer é algo a ser entregue para os outros, de forma “politicamente correta”, e não como um Querer genuíno que nos faça sacrificar prazeres e tentações momentâneas para um Querer consciente, ancorado numa intenção verdadeira para desencadear uma resolução de futuro.

São então os bloqueios, contaminados de um pensar frio, que aprisionam o querer?

Um exemplo: uma cliente luta o tempo todo contra a balança. Até que ponto ela está disposta a abrir mão de um prazer de comer um doce – no aqui e agora -, em nome de um querer, exaltado em tantas revistas, de como ser uma mulher magra, esguia e elegante? Onde está o seu Querer? Na revista, na moda ou no que é significativo para ela? Que valores ela quer atender, da mídia ou do mundo dos significados? Que sentimentos estão ancorando o seu querer?

Na prática, o que importa, é descobrir quais são os valores que a impedem de sair deste padrão, quebrar os seus bloqueios e ajudá-la a reconhecer um caminho de possibilidades mais consciente. Isso a levará necessariamente a uma decisão tomada em liberdade, ou seja, por uma escolha que passou pelo Pensar, foi dimensionada no Sentir e ponderada no Querer -, neste circuito que chamamos de PSQ. Isso demanda do coach um ir e vir neste circuito, até que o cliente possa se ver e se validar na sua totalidade.

O psicólogo norte-americano Robert Kegan, diz que um hábito não se muda, por isso regimes não funcionam, mas que podemos levar luz e consciência para comer com moderação. Ou seja, é possível ampliar perspectivas em vários níveis de profundidade que levam a diferentes níveis de consciência. Olhar o hábito sob a realidade presente ajuda os pequenos passos em direção a novas perspectivas de mudanças.

Deixa eu dar um outro exemplo: um cliente me chegou dizendo que tinha baixa autoestima e que queria trabalhar este tema. Sua performance no hábito de compartilhar era pobre, mas os seus resultados e entregas eram espetaculares. O que acontecia era que ele não se posicionava nas reuniões. O pessoal achava que ele escondia ouro ou não queria compartilhar sua experiência (sic). Descobrimos que ele achava arrogante compartilhar suas opiniões; tinha opiniões, mas aguardava todos falarem e só abria a boca se não fosse repetir ou contestar o já falado.

De onde vinha esta crença? Ele explicou que seu pai não admitia esta postura de posicionamento dos filhos e que, como oriental, ele deveria deixar todos se posicionarem antes dele, e nunca corrigir ou replicar. (Observe que as palavras – nunca e sempre – aparecem quando estamos falando de hábitos, crenças e sabotadores. Tratam-se de máscaras de bloqueios!)

Ele se deu conta de que o seu problema não era a baixa autoestima, mas sim a crença de que tinha baixa autoestima, o que o aprisionava e o impedia de se posicionar e sequer enxergar esta atitude adquirida através da família.

O norte-americano Jim Selman, que desenvolveu uma tecnologia para acelerar transformações e mudanças, diz que as pessoas são vitimas de circunstâncias paralisantes e dessa forma não conseguem fazer escolhas. Daí porque é importante para elas enxergarem sua realidade sob diferentes pontos de vista.

Se olharmos para o pensamento automático, sob o foco da Terapia Comportamental Cognitiva -TCC, o grande objetivo também é ajudar o cliente a trocar o pensamento automático paralisante e levá-lo a enxergar uma nova perspectiva, e consequentemente, um novo padrão de resposta.
Outra possibilidade é ajudar as pessoas a desenharem metas, através de exercícios e visualizações de futuro que acessem a imaginação e os liberem para um sonho do futuro desejado, também pode ajudá-los a sair do bloqueio. Uma retrospectiva de peak performances, por exemplo, pode ajudar o cliente a acessar seus talentos e valores praticados, e a partir daí, desenhar o futuro desejado.

Peter Senge PhD e professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology), em seu livro Presença, logo no primeiro capítulo, trabalha com o paradigma que a “condição essencial requerida para se ter acesso ao campo do futuro é a presença”. Do ponto de vista do ser humano, e também do coach, é necessário um ouvir apurado e desprovido de preconceitos para dar sentido às coisas, de um “abrir-se para receber” como uma ampliação de consciência, fruto de múltiplas perspectivas.

O que pode sustentar o querer de mudança de alguém?
Uma pessoa muda quando encontra um significado que acessa seus valores e desta forma se compromete na sua vontade a percorrer um caminho de mudanças, que implica em pequenas privações, para chegar ao objetivo desejado

Nós podemos fazer do ponto desejado de chegada ao futuro, o ponto de partida para construir o dia a dia, passo a passo, o nosso caminho de realização. Desta forma, não precisamos nos preparar para mudar primeiro, podemos aprender na prática enquanto mudamos junto com o mundo, já que como diz Selman, se formos nos preparar para mudar para o mundo, corremos o risco de, enquanto pensamos em como nos preparar, o mundo já ter mudado.

O maior objetivo é encontrar uma visão inspiradora e instigadora de futuro que possa sustentar uma vontade de desenvolvimento. Trata-se de cultivar um sonho, um ideal, um caminho de encontro, com uma identificação forte como ponto de partida. Se este desafio estiver conectado à essência desta pessoa, ela poderá fazer dos pequenos fracassos e erros um desafio de aprendizado e, pela sua conquista, acionar todos os seus talentos, enxergando todas as possibilidades em termos de oportunidades de realizações.

“O futuro não é um lugar onde estamos indo, mas um lugar que estamos criando. O caminho para ele não é encontrado, mas construído; e o ato de fazê-lo muda tanto o realizador quanto o destino.” ​​​​​​​​​

Saint Exupéry

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